Hořící keř (Burning Bush): Lutar pela liberdade


Lutar por uma vida melhor, digna, tentar fazer o que se acredita ser o mais correcto. As implicações de uma tomada de atitude, de marcarmos com firmeza uma posição, pode granjear consequências irreversíveis. O mundo como até então o conhecíamos é abalado.


Hořící keř (Burning Bush), é uma mini série dramática, dividida em três partes, da cadeia de televisão HBO e da autoria de Agnieszka Holland, realizadora de origem polaca. Baseada em acontecimentos verídicos, foca-se no sacrifício de um estudante checo, Jan Palach, que imolou-se a 16 de Janeiro de 1969 na Praça Wenceslas em protesto contra a ocupação Soviética da antiga Checoslováquia que começou na noite de 20 para 21 de Agosto de 1968.


O acontecimento de 1968 está directamente relacionado com o Pacto de Varsóvia, um tratado firmado a 14 de Maio de 1955 em que figuravam oito estados comunistas da Europa Central e de Leste (Albânia, Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polónia, República Democrática Alemã, Roménia e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), que pouco mais era do que uma desculpa para a antiga União Soviética tentar exercer um controlo militar, político e económico nessas zonas. Para acentuar ainda mais tal conclusão, temos o facto das principais acções deste Pacto terem sido contra países-membros. As incursões militares pela União Soviética na Hungria e na Polónia, em 1956, para reprimir e anular manifestações populares, assim como a da Checoslováquia em 1968, ficaram para a História, pela negativa.

Entre o drama psicológico e o documental, relata-nos de perto um momento importante da História que não deve ser esquecido.
Um dos melhores aspectos da série é a recriação do que aconteceu, de como seria a vida nessa altura debaixo de um regime opressivo e totalitário. A deturpação dos verdadeiros motivos de Jan Palach, que viria a morrer alguns dias depois devido às graves queimaduras no corpo todo, a difamação de carácter, a perseguição à família de Palach e a de quem os defendia. É nesse contexto que começamos a conhecer Dagmar Burešová, uma jovem advogada que decide ajudar a processar o governo comunista pela difamação de Jan Palach, o que, como seria de esperar, traz-lhe consequências a si e a todos os envolvidos.


Esta é uma história de luta pela liberdade, de pessoas desesperadas por mudança. É uma narrativa que custa a digerir devido ao conteúdo e porque nos relata uma época que não está assim tão longe, o que se acentua se pensarmos no detalhe de que parte destes regimes desapareceram apenas em 1989. E também porque não dá descanso ao espectador. É uma produção com um ambiente pesado, sério, de ritmo lento e estética sóbria, que requer outro tipo de atenção e disponibilidade da nossa parte. A divisão em três episódios revelou-se essencial para oferecer as pausas necessárias às emoções.


Denota-se um enorme cuidado na série, em particular na vertente técnica. Os planos de câmara, a cinematografia, a banda sonora, as roupas e outros pormenores. Num instante somos transportados para dentro da obra, absorvidos para o interior das paredes desta realidade que nos parece tão longínqua. O desconforto é tangível.


E é na personagem da mãe de Jan Palach que acabamos por sentir ainda mais esse incómodo, a tristeza que nos esmaga. Várias cenas, de uma sensibilidade à flor da pele, fazem-nos sentir os efeitos da opressão política exercidas sobre quem ousou resistir ou dizer basta. A dor daquela mãe, já de si incomensurável na perda do filho, é exponenciada pela pressão psicológica posterior após a decisão de processarem o governo, um processo que nunca poderia acabar a favor dos queixosos devido à natureza corrupta e insidiosa de tais regimes. Investigações caluniosas, chantagens, escutas, telefonemas a meio da noite, carros à porta. E o extremo, a exumação do corpo do filho pela polícia secreta checoslovaca (StB) e destruição da respectiva campa, deixando no seu lugar o túmulo de uma senhora idosa anónima. A intenção era apagar qualquer memória de Jan. Horrível, sentimos a tristeza nos ossos nessa cena.


Hořící keř não é uma produção fácil de absorver. Entre o drama psicológico e o documental, relata-nos de perto um momento importante da História que não deve ser esquecido. No vigésimo aniversário da morte de Jan Palach, uma nova geração de estudantes, inspirada pelas suas acções, iria sair à rua em protesto, o que levaria posteriormente à queda do regime comunista na antiga Checoslováquia no final de 1989.