Sibylle Ruppert: A intensidade do desconforto


Sibylle Ruppert nasceu no dia 8 de Setembro de 1942 em Frankfurt, na Alemanha, na noite em que decorreu, por parte dos Aliados, o primeiro grande bombardeamento da cidade durante a Segunda Guerra Mundial. Devido a isso, pouco depois do parto foi transferida da ala da maternidade para um abrigo anti-bomba situado na cave do hospital. Essa experiência traumática e o período seguinte, entre a enfermaria improvisada, os pedaços de tecto que caiam à medida que as bombas atingiam as redondezas e a fuga para o campo com os pais em comboios sobrelotados de pessoas desesperadas, pode-se dizer que não foi o ambiente ideal para uma criança viver os seus primeiros momentos.


Encontrar respostas para o que se observa nos trabalhos desta artista é um exercício que nos poderá fazer pensar, rapidamente, nesses primeiros instantes de vida, mas a influência do seu pai, designer gráfico, parece ter sido fulcral também já que ela passava horas e horas a vê-lo desenhar. Mas por muito que especulemos e investiguemos sobre possíveis causas, há que prestar especial atenção, em conjunto com o resto, à própria natureza de cada um de nós, do que nos impulsiona. E aos seis anos de idade, o primeiro desenho de Sibylle foi uma ilustração violenta de um punho a atingir um rosto.


O trabalho desta artista é intenso, visceral, erótico, desconfortável, sexual e fantástico. Por vezes lembra-nos uma mistura entre Zdzisław Beksiński, Ernst Fuchs, Hieronymus Bosch, Jean-Marie Poumeyrol e H.R. Giger, em particular deste último. A semelhança da técnica de algumas obras de ambos, assim como dos motivos presentes em certos quadros, faz-nos questionar quem inspirou quem. Mútuo, muito provavelmente, até porque se conheciam, conviveram e muitas das obras de Sibylle Ruppert pertenciam à colecção privada do recentemente falecido H.R. Giger, que chegou a organizar exposições sobre ela na sua casa museu na Suíça.

Grotesca, surreal, oriunda dos desejos e impulsos mais recônditos da natureza humana, a sua arte tanto atrai como incomoda. Em muitos casos parece existir um elemento subversivo na obra, que por vezes nem é perceptível ao primeiro olhar.
Qual a razão para ela não ser mais conhecida é uma boa questão. A força, a intensidade do seu trabalho, os temas, ser mulher, o que podia conduzir à marginalização quando ela surgiu, as hipóteses são várias. A sua decisão de passar os últimos anos de vida em reclusão poderá não ter ajudado também.


Sibylle Ruppert, aos dez anos de idade, chegou a querer ser freira, mas isso foi posto de lado quando se decidiu inscrever, secretamente, no exame de admissão para a Academia Städel, o qual passou de forma exemplar. Por iniciativa dos pais, ao inscreverem-na numa escola de ballet, ela iria descobrir posteriormente outra das suas paixões, a dança, que iria abandonar no futuro para se dedicar com mais afinco ao ensino do desenho e da pintura.


Olhando para as suas obras, não é de espantar que uma das suas inspirações tenha sido o universo do Marquês de Sade, ou a escrita de Lautréamont ou Georges Bataille. Um dos seus trabalhos mais curiosos, e procurados, é precisamente um livro de desenhos dedicado a Lautréamont (Sibylle Ruppert: dessins pour Lautréamont), que existe apenas em edição limitada.


Em 1976 ela mudou-se para Paris, em França, onde iria residir até morrer. Os passeios nocturnos nas ruas de Pigalle e Montmartre, as pessoas como personagens desconhecidas na sombra exerciam um fascínio sobre si. Paris sempre foi a cidade dos seus sonhos.


Grotesca, surreal, oriunda dos desejos e impulsos mais recônditos da natureza humana, a sua arte tanto atrai como incomoda. Em muitos casos parece existir um elemento subversivo na obra, que por vezes nem é perceptível ao primeiro olhar. Corpos fundem-se com os fundos e paisagens, uma ligação entre o humano e o mecânico, órgãos sexuais femininos e masculinos disformes, exagerados, que se confundem com as personagens dos quadros, criaturas de pesadelos. Se atendermos à direcção de arte de um pequeno videojogo lançado em 1991 para a consola Mega Drive/Sega Genesis, Gynoug/Wings of Wor, que exerceu em mim uma obsessão quando era mais novo e não fazia ideia de quem era Sibylle Ruppert, é plausível pensarmos actualmente que a sua arte pode ter servido de inspiração para as criaturas do jogo. Já o porquê destas coisas me fascinarem ou atraírem desde tenra idade será assunto que relego para outra ocasião, mas que não promete uma conclusão ou explicação óbvia.


Nos anos 80, Sibylle Ruppert começou a dar aulas de arte em prisões, hospitais psiquiátricos e centros de reabilitação para toxicodependentes. Faleceu em 2011, afastada da vida pública, mas a sua arte sobrevive apesar da escassez de informação que existe relacionada com esta artista e da aparente falta de conhecimento generalizada. Ainda hoje é difícil encontrarmos imagens das suas obras na Internet ou sequer os nomes de muitas delas por exemplo. Um segredo a explorar com mais atenção.