Poetas & Trovadores: Um esquisso do passado


Corria o ano de 1994 e o percurso de um jovem apaixonado por Letras e Biologia era familiar para quem percorre certos trilhos. Participava em recitais de poesia no Padrão dos Descobrimentos, no auditório da RTP, nos antigos cafés da Avenida da Liberdade, em tertúlias e convívios em Lisboa. Edita poemas em antologias, em fanzines, em jornais literários, enche uma gaveta de blocos, cadernos, pastas e de um manancial de textos. Espólios de caos. Os senhores dados ao desenho e à caricatura até gostavam de lhe esboçar um retrato quando percorria as ruas da cidade com o seu chapéu adornado por penas ocasionais.


Os primeiros sinais discordantes dos passos que outros jovens percorriam neste caminho apareceram na sua preferência gradual em participar em encontros com pessoas mais idosas, na candura que sentia na paixão com que elas soltavam as palavras, com o que lhe ensinavam e como o recebiam, em detrimento de outros locais com público de faixas etárias semelhantes à sua onde imperava a arrogância, o pedantismo, a vontade de se mostrar aos outros e não a partilha, ter algo a dizer ou sequer ouvir o que fosse.

Como será normal, os textos, presentemente, pouca relação ou nenhuma têm com o que escrevia no passado, seja na forma ou no conteúdo, mas isso faz parte do processo de crescimento mesmo que já não me identifique com aquilo.
No espaço de alguns anos, a sua vida passava muito por aqui. Aprendeu a despir-se para o mundo. E no entanto, desapareceu tão depressa como surgiu quase descalço e sem roupa no primeiro recital em que participou. Poderia falar de inúmeras razões, como a consequência da exposição pessoal e psicológica que acarreta a nudez em público, de como ficava perturbado após cada recital, da energia negativa que perpassava para fora, de sentir que ler (ou mesmo ouvir) é um processo íntimo, nosso, que se desfigura e se perde nas leituras ao vivo, ou de a dada altura ter começado a trabalhar como jornalista, o que durou 10 anos e envolvia escrever constantemente, o que implicava tempo, criatividade, desgaste mental e encontrar forças que acabariam por sugar outras energias. Ou das minhas paixões e áreas de interesse se terem alargado substancialmente. Sim, poderia falar de muito mais.


Na última década voltei aos poucos a escrever fora do âmbito do jornalismo, com este blogue a ser uma preciosa ajuda nesse sentido. Como será normal, os textos, presentemente, pouca relação ou nenhuma têm com o que escrevia no passado, seja na forma ou no conteúdo, mas isso faz parte do processo de crescimento mesmo que já não me identifique com aquilo. Sinceramente, considero que a pausa acabou por ser um bálsamo e não só para a escrita. Como será óbvio, também, o mundo não parou e não espera por nós. Logo, regressar a certos núcleos ou caminhos pode revelar-se tarefa sinuosa nesta realidade de hoje, em que se dá primazia à exposição total constante, presenças, redes sociais e de contactos, até porque todos mudamos com a idade e actualmente (sem mencionar sequer o período a viver no estrangeiro) pauto pela reclusão, por uma nudez e exposição de outra ordem.


E conjugar isto agora, tanto tempo depois, quando o afastamento é ainda maior perante certos hábitos e condutas de funcionamento que se encaram como normais em alguns meios? Subversão, força de vontade, persistir, aprender, escrever e ler, criar porque isso é parte integrante do nosso ser.


Um dia voltarei à gaveta para espreitar o passado mais um pouco, quem sabe para me rir ou sorrir com o que escrevia, com os dramas da adolescência, com os títulos, ou apenas com a doença dos blocos de textos pequenitos todos iguais e alinhados. Mas é no agora, no seguir em frente, constante, com menos ou mais bifurcações, que se podem encontrar os trilhos que se tornaram os nossos.