Japan: Earth's Enchanted Islands: Olhar para o mundo


Mudar o mundo, em geral, o nosso ou de alguém, nem que seja um pouquinho. Expressão que já usei inúmeras vezes, que tende a ser difícil de explicar, de ser percebida ou assimilada da melhor forma. Há muito que encaro este nosso tempo efémero no planeta do lado oposto do andar aqui por andar, o que por vezes é encarado como ser demasiado sério, conceptual ou de que tudo parece ser insuficiente. Sim, é verdade que almejo infinitos, como também o meu lado corrosivo, divertido, ultra palhaceiro ou bem-disposto não vem, geralmente, ao de cima em contextos que não o pessoal, íntimo ou familiar. Este blogue, tal como outros meios, iniciativas ou actividades em que me envolvo, rapidamente deixou de lado as piadas ou brincadeiras, a leveza vazia, evoluiu para outra seriedade, caminhos e foco que tenta validar alternativas às realidades do dia-a-dia, em ser um portal para outros universos. Para quem quiser algo diferente disto, o que não faltam são opções de escolha que podem ser encontradas noutros espaços, pessoas e contextos, até na política. E qual a relação disto tudo com este novo documentário co-produzido pela BBC, NHK e National Geographic? Já lá iremos.


O mundo tem uma tendência para se dividir em dois grupos. As pessoas que tentam mudar, melhorar ou inventar algo para os outros, muitas vezes em detrimento do seu bem-estar e que tende a isolá-las dos outros, e as que não querem saber, ou que não ligam muito à importância do outro grupo, mas que desfrutam dos benefícios conseguidos pelas outras. Isto pode ser a Internet, o telemóvel, o carro, uma casa, a estrutura social, uma vacina, estes documentários, o que quiserem. Alguém teve de o conceber, outros de as realizar, para que depois isso passasse a ser parte da nossa realidade. O ideal é quando ambos os lados se tocam e lutam em conjunto para um fim comum já que nenhum vive sem o outro.


Neste Japan: Earth's Enchanted Islands, narrado por Michelle Dockery (Lady Mary Crawley na série Downton Abbey), é possível observar a relação próxima entre a natureza e o ser humano, as concessões que tiveram de ser feitas e o respeito que se criou geração após geração para que uma parte do país conseguisse sobreviver. Em certos casos, espécies animais antes ameaçadas com a extinção conseguiram recuperar graças a essa consciência de algumas pessoas de que algo tinha de mudar por exemplo.


Dividido em três partes, este documentário mostra-nos três regiões distintas do Japão, mais concretamente as ilhas de Honshu, Kyushu e Hokkaido. A beleza de todas é magnífica (ao ponto de dar logo vontade de marcar uma viagem para lá), com a paisagem a mudar radicalmente consoante as estações do ano nos locais das ilhas que ainda persistem num estado quase selvagem. Mas as cidades, sobrelotadas com milhões de habitantes, são outra componente vital e, em vários casos, obrigam a que os dois mundos se cruzem. É por essa razão que em algumas cidades e templos seja normal encontrar veados, guaxinins ou macacos a vaguear por lá a seu bel-prazer, a interagir com as pessoas e até a serem considerados sagrados por exemplo, ou que noutras situações os pescadores vivam lado a lado, em harmonia, com ursos e raposas. No passado isso não acontecia e as pessoas perseguiam, caçavam ou matavam os animais que sentiam como incómodos ou inimigos, mas felizmente a mentalidade foi mudando com o tempo e perceberam que todos somos parte integral do planeta. E é aqui, assim como no engenho das pessoas em inventar estruturas e meios de agricultura fascinantes para sobreviverem em situações adversas ou respeitando a natureza, que reside a atracção deste documentário.

É esta relação de proximidade, de esperança, assim como o pequeno olhar sobre paisagens deslumbrantes que nos parecem quase alienígenas e irreais de tão bonitas e desconhecidas para muitos de nós, que faz com que nos deixemos encantar com esta nova produção.
Visionário? Uma janela para um futuro que só poderá existir se respeitarmos o passado ou mudarmos a nossa forma de pensar e agir? É uma possibilidade no que se pode ver aqui. Existem vários casos de situações que até então desconhecíamos que podem ser vistas neste documentário. Todas são de nos deixar de boca aberta. Uma vila em que os peixes são usados para ajudar a lavar a loiça? Plantações subaquáticas de algas como se fossem campos imensos de trigo ou de arroz? Senhoras adoráveis de 70 anos, especialistas em apanhar com as mãos, sem protecção alguma, serpentes marinhas venenosas que são servidas depois como sopa? Veados que aprenderam a manipular as emoções humanas com mimos, saudações e outras artimanhas para receberem festas e recompensas como se fossem gatos? Macacos que usam lagos naturais como spas? Situações como estas são de encanto, como também as que nos mostram as pessoas a celebrar alturas específicas do ano como as das amendoeiras/cerejeiras em flor, as danças nocturnas dos pirilampos no Verão ou as cores maravilhosas do Outono. O manter de certas tradições acaba por ser um escape necessário à azáfama caótica das cidades.


Mudar o mundo para melhor pode consistir em pequenas mudanças e em nada de grandioso ou de radical, em pequenas alterações de consciência. Dois dos casos mais flagrantes que se podem observar neste documentário são o das Águias-marinhas-de-steller (Haliaeetus pelagicus) e o dos Grous de crista vermelha (Grus japonensis). Nos primeiros os pescadores deixam-lhes peixe no gelo para as ajudar a sobreviver e os segundos, que são aves consideradas sagradas no Japão, estiveram à beira da extinção e foram salvos devido à mudança de mentalidade. Vermos a dança dos casais de Grous no gelo, por si só um momento de maravilha eterna, toma outros contornos de bonito e de sorrisos após sabermos da nossa intervenção para que isso continue a ser possível. É esta relação de proximidade, de esperança, assim como o pequeno olhar sobre paisagens deslumbrantes que nos parecem quase alienígenas e irreais de tão bonitas e desconhecidas para muitos de nós, que faz com que nos deixemos encantar com esta nova produção. Para quem não tiver dificuldades com o inglês, podem visualizar os três episódios, por enquanto, aqui.